top of page

oil stick

Leon Kossovitch

 

Severo, Julio Minervino aplica-se à mobília e à edilícia, às vasilhas de casa e às plantas de indústria: variando-lhes a escala, não impede que se as identifique, ainda que nesse reconhecimento o habitual vire estranheza. Pois, à diferença dos seres vivos, mesmo dos reduzidos à carcaça disputada por abutres ou ao cadáver pendente de galho, inequívocos para o olho fixado por uma distância constante ao representado, as coisas figuradas entre o ínfimo e o imenso não se prendem a uma escala acomodante. Não menos que o enregelamento na iconografia do vulturino e do pendido, a petrificação da distância é morte, que, assim, universaliza-se como dupla, suscitando os ecos de inevitáveis parábolas, às quais, todavia, resistem as coisas, que, sem alardear a vida, alegorizam-na por se sujeitarem à obsolescência e à desproporção. Embora todas as coisas se atrofiem, os móveis e utensílios no menor, no maior as edificações e plantas industriais, nada, nem a ruína nem a devastação, paralisa a representação, pois é nos ventos, na neblina e, principalmente, no cálculo desmedido que ela se agita.

Não são propriamente as coisas, mas as figurações, fingimentos, nascidas monocromáticas do bastão de óleo e da terebintina, que Julio Minervino faz oscilar como distâncias do contemplador ao representado. Mais que os atmosféricos, são os efeitos da desproporção que desestabilizam a visão: enquanto a neblina terebintínica desprende fantasmagorias, a basculação das distâncias, ora agigantando o pequeno, ora ananicando o grande, ora pondo na mão um conjunto industrial, ora erguendo prédios com um móvel, subverte as dimensões estabelecidas, a também evidenciar a natureza morta paisagem e paisagem a natureza morta. Irrompe o estranhamento, menos da solvência atmosférica do que da colisão das escalas: o verossímil, hoje materializado como realismo, é arrebatado pelo fantástico, o qual, anatômico como o desenho industrial, tem por indecorosas as idealizações. Correntes na figuração fantástica, estas são anuladas pois anestesiam os afetos do estranho, a nostalgia, a exultação, a aflição. Remetendo as fantasias à memória, Julio Minervino entrecorta, porém, o fio imaginário de um tempo mnêmico com o gume de seu presente. 

 

"Coisas em estado de permanente repouso"

Oil  stick s/ papel feito à mão

50x60 cm - 2002/2004

bottom of page